Fernanda Monteiro

exposições:

S6. Calendário ARCO 2023. Passagem. Célia Marcassa

Passagem. Célia Marcassa


 

Pensar no trabalho de Célia Marcassa é imergir na gama de significados que envolvem o que figurativamente se entende por árvore. Sua mensagem está para além da preocupação com o meio ambiente, um dos vieses que defluem da primeira observação de sua produção. No entanto, sua “arvografia”, termo cunhado pela própria artista para denominar sua pesquisa, seus núcleos de interesse se expandem na medida em que entendemos os significados assumidos pela sua figuração.

Árvore é um símbolo ancestral, a seu arquétipo podemos associar por exemplo a fecundidade, o crescimento pujante, a perseverança, a resistência, a regeneração, os ciclos de renovação. Talvez a primeira coisa que pensamos quando diante de uma árvore é sobre a vida e como ou o quanto ela se modifica a cada dia, o quanto se fortalece, enrigesse com a “maturidade”. o quão frondoso pode ser seu crescimento de acordo com sua capacidade de adaptação. Toda árvore carrega consigo a ideia de ciclos que se sucedem e vão cravando em seu exterior e interior uma história. Uma narrativa que pode ser lida nos anéis de crescimento de seu caule, que pode ser sentida pela força e extensão de suas raízes.

As raízes são a grafia da origem, da ancestralidade, da genealogia. Esse aterramento que faz da árvore um indivíduo que, como nós, transporta em suas células o poder de agarrar, apreender, aprender com o tempo, com a experiência própria ou compartilhada, e de criar ligações duradouras, profundas, sólidas com aquilo que o identifica, em um exercício de reconhecimento e auto conhecimento.

O tronco traz o conceito de ligação, de conexão entre os planos terrestre e espiritual. Uma verdadeira via de troca entre material e etéreo. Um caminho entre tudo que existe, entre céu e terra, onde corre a seiva vital que vai do ancestral ao intangível.

Nas pontas dos galhos, tocando o céu, está a folhagem sempre em busca da luz, da iluminação e nesta o aprimoramento, a promessa da eternidade.O que a sensibilidade artística de Célia nos deixou materializado em sua pintura, que podemos fruir em parte agora através desta curadoria, é que somos seres transcendentes, encarnados num corpo que é memória, e que o propósito de nossa existência é religar o que fomos ao que um dia seremos juntos em comunhão com o cosmos.

 

Fernanda Monteiro